O economista Fabio Giambiagi, 63 anos, afirmou que as principais semelhanças entre Brasil e Argentina atualmente estão nos líderes da oposição de cada país: os ex-presidentes Jair Bolsonaro (PL) e Cristina Kirchner (Partido Justicilialista, esquerda) “apesar do antagonismo ideológico”.
Os 2 ex-presidentes compartilham estas características:
Giambiagi nasceu no Rio. É filho de argentinos. Passou a infância e parte da adolescência na Argentina. Voltou a morar no Brasil com 14 anos.
Assista à entrevista completa (43min):
Ele afirmou que o Brasil e Argentina tinham políticas semelhantes nos anos 1980 e 1990. Ambos os países passaram por planos econômicos com mecanismos parecidos para conter a inflação. Isso ficou conhecido como “Efeito Orloff”, a partir do mote de uma propaganda dessa marca vodca em que um personagem dizia: “Eu sou você amanhã”.
Mas o economista afirma que, a partir do final dos anos 1990, o Brasil passou a se diferenciar da Argentina. A dívida externa permanece um problema para a Argentina. Para o Brasil, não. A inflação na Argentina é muito mais alta do que o Brasil
No caso do ajuste fiscal, o governo argentino está em posição melhor do que o brasileiro. O presidente Javier Milei (La Libertad Avanza, direita) cortou gastos. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem gastos crescentes.
A seguir, trechos da entrevista.
Poder 360 – Quais as semelhanças que se destacam atualmente entre Brasil e Argentina?
Fabio Giambiagi – “A situação das oposições. Tanto a oposição peronista argentina como a oposição bolsonarista no Brasil são lideradas por pessoas que foram presidentes [Cristina Kirchner e Jair Bolsonaro]. Em 2º lugar, essas pessoas estão presas. Em 3º lugar, se pudessem competir eleitoralmente, teriam um piso eleitoral elevado, alguma coisa em torno de 30%, 35%. E, em 4º lugar, se pudessem concorrer, estariam impossibilitadas de vencer no 2º turno porque a rejeição é muito maior. Em 5º lugar, há a manipulação que amarga e constrange outros setores da oposição que gostariam de assumir o centro do palco, mas têm receio de enfrentar o líder. Apesar do antagonismo ideológico, é uma espécie de jogo de espelhos, em que a realidade, nesse aspecto de ambos os países, se assemelha muito.
Mas, no caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, pesquisas mostram que, no 2º turno, ele estaria próximo do atual presidente e poderia vencer. Isso não é diferente da situação de Cristina Kirchner?
“Sim, qualquer semelhança sempre está sujeita à margem de erro das comparações. O bolsonarismo aqui no Brasil é eleitoralmente um pouco mais forte do que o peronismo na Argentina.
Quais as diferenças entre Brasil e Argentina que mais se destacam?
“Na Argentina, Cristina Kirchner, está em prisão domiciliar. Há interpretações de que eventualmente essa poderia ser a situação de Bolsonaro daqui a 2 meses. No momento, o ex-presidente está em instalações da Polícia Federal. Mas a diferença mais importante é de tradições entre as respectivas oposições. O peronismo tem 80 anos de história na Argentina e o bolsonarismo é um fenômeno recente.
“Eu sou brasileiro, filho argentinos. Meus pais vieram da Argentina depois de serem cassados pelo governo militar, ambos eram cientistas. Eu vim com 14 anos. Era o governo do presidente [Ernesto] Geisel. Eu fiquei muito impressionado ao ver como havia diálogo aqui no Brasil. Era um governo militar com uma diferença muito importante em relação à Argentina. A Argentina fechou o Congresso. Aqui, o Congresso foi mantido. O governo tinha a ampla maioria. Naquela época, era uma situação de apenas 2 partidos: Arena, do governo, e o MDB, a única oposição reconhecida. Mas havia um diálogo institucional que anos depois levou à abertura política.
“As pessoas conversavam. [Eu] vindo daquele ambiente horroroso em que as pessoas literalmente se matavam de parte a parte. Na minha juventude, me marcou muito como ser humano e como como cidadão, essa capacidade de diálogo. Eu cheguei a ver uma batida de carro em Copacabana em que os 2 motoristas acabaram indo beber um chope na lanchonete da esquina. Isso, na Argentina, acabaria com os 2 motoristas se engalfinhando. Na Argentina [havia uma] espécie de crispação permanente, [com] violência verbal muito presente na vida política. No limite, levou à barbárie dos anos 1970, com atentados terroristas, desaparecimentos causados por grupos paramilitares. Aqui no Brasil, apesar de toda a violência, a ditadura foi um governo autoritário de transição. Mas, hoje, aquela cena de Copacabana é inimaginável. Os 2 motoristas estariam se xingando. Isso eventualmente acaba no meio político também.
“Quando você pensa nos países que mais avançaram como sociedade e como economia, pensa na Escandinávia. Os diferentes grupos políticos se entendem minimamente, 90% estão de acordo quanto ao país ideal. O grupo de radicais é minoritário. Fazem um pouco de barulho, mas não criam violência. Na Argentina, [há] uma situação histórica que vem do século 19 que se transformou ao longo do século 20 numa polarização entre grupos do antigo peronismo e pró-militares. Isso tem dificultado muito o entendimento. A gente tem visto maiores dificuldades para o entendimento político aqui no Brasil. Mas eu acho que a gente tem que aprender um pouco olhando para os outros. Na Argentina, há uma convicção maior dos diferentes grupos em relação às suas ideias. Não é essa mistura geral do Brasil com um número grande de partidos, mas poucos partidos com efetivas convicções políticas. Porém, há uma enorme dificuldade de diálogo entre diferentes grupos político no Brasil. Isso, a gente infelizmente imitou aqui. Seria bom deixar de lado nos próximos anos.
Existe uma ideia de que as coisas que se passam na Argentina tendem a se repetir no Brasil e vice-versa, o que ficou conhecido como “Efeito Orloff”, a partir do mote de uma propaganda de vodca. Faz sentido?
“Era uma propaganda muito bem-humorada. A partir da 2ª metade da década de 1980, ocorreram uma série de semelhanças. A Argentina adotou o Plano Austral de combate à inflação em 1985. O Brasil adotou o Plano Cruzado em 1986. A Argentina teve o Plano de Estabilização, depois a gente teve o Plano Verão. A Argentina, teve a Lei da Conversibilidade, a paridade do peso em relação ao dólar. Anos depois, veio a estabilização no Brasil com o Plano Real. Ficou um pouco aquela ideia de que, o que um país fazia, o outro fazia depois. Ficou essa brincadeira, essa piada. Mas, nos últimos 10, 15 anos, houve uma grande divergência entre os países. Houve o governo Alberto Fernandes coincidindo com o período do governo do Jair Bolsonaro. [Depois] entrou o PT e lá na Argentina também houve uma inversão. Saiu o peronismo do poder e entrou o [Javier] Milei. Tem havido uma espécie de diálogo de surdos, no sentido de que os presidentes não se entendem. São antípodas. As relações entre os países se mantêm. Mas não é o melhor que haja esse silêncio entre os presidentes.
A Argentina enfrenta dificuldades cambiais recorrentes. Há uma ideia de que o Brasil está de certa forma imune a essa situação. Está?
“Houve 2 elementos em que o Brasil, felizmente, nos últimos 25 anos, 30 anos, se diferenciou da Argentina. O 1º é a inflação. A gente tem uma história de inflação que se divide em antes e depois de junho de 1994, com o Plano Real. Ainda estamos lidando com a inflação, perto de 5% ao ano. Gostaríamos de alcançar a meta de 3%. Mas é completamente diferente daquele monstro que a imprensa associava ao dragão. Nós tínhamos, no auge, no último mês do governo Sarney, uma inflação por dia útil igual à meta da inflação atual do ano.
“Há outra diferença fundamental: a dívida externa. Estudei economia, entre 1980 e 1983. Ingressei no BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] em 1984. Defendi o mestrado em 1986. Se você perguntasse para os maiores economistas da ocasião, Mário Henrique Simonsen, Edmar Bacha, Antonio Delfim Netto, todos tinham a ideia de que a dívida externa era um fato da vida. E, 20 anos atrás, isso saiu do noticiário. É uma situação completamente diferente da que há na Argentina, onde se discute como é que vai fazer para pagar o papagaio de US$ 5 bilhões. E houve uma transição naquele primeiro governo FHC [Fernando Henrique Cardoso], em que a gente teve um câmbio mais controlado, quando teve a desvalorização de 1999. Inicialmente todos temíamos muito que o Plano Real fracassasse, que voltasse a inflação elevada. Não foi assim. E, hoje, a gente está acostumado a lidar com o câmbio flutuante. O câmbio sobe. Um ano atrás estava em R$ 6. Agora [17.dez] está R$ 5,51. É vida que segue. Quando sobe, pressiona um pouco a inflação, depois, quando cai, ajuda. O governo argentino tinha uma política cambial até janeiro de 2025. Mudaram um pouquinho a política cambial em fevereiro. Depois fizeram mudança em abril. E vão fazer uma nova mudança a partir de janeiro. Isso dá uma ideia de como a Argentina está tendo dificuldade para definir o novo padrão cambial que permita ter uma flutuação sem os impactos inflacionários do passado.
A dívida interna no Brasil é muito grande. Há problemas comuns na forma como os dois países lidam com a dívida pública e o gasto do Estado?
“A situação fiscal da Argentina é hoje diferente para melhor nesse aspecto. Fez um ajuste fiscal impressionante. Em termos de resultado primário, sem considerar os juros, eles fizeram o ajuste de 4,5% do PIB [Produto Interno Bruto] em 2024, algo que, no Brasil, está completamente fora do horizonte por enquanto. Temos problemas comuns, macroeconômicos: baixo crescimento, baixo nível de investimento, baixa produtividade, baixa poupança e uma série de elementos que se combinam nesse quadro de relativa estagnação, em que ambas as economias estão mergulhadas, não necessariamente ao mesmo tempo, mas nas últimas 3 décadas. Se você tomar 1990 como ponto de partida e acabar em 2025, a taxa de crescimento média da Argentina é igual à do Brasil.”
Há espaço político nos 2 países para ajustes fiscais duradouros?
“Na Argentina, esse passo já foi dado. A dúvida é o que vai acontecer daqui para frente. Mas eles já fizeram o ajuste, coisa que a gente não fez aqui no Brasil. Eu diria que, independentemente de quem vencer as eleições, alguma coisa a gente terá que fazer em 2027. E eu tenho me empenhado, com um conjunto de colegas, no sentido mostrar que aquilo que deveria ser feito poderia ser feito por qualquer presidente. O ajuste fiscal é uma dessas reformas. Você não consegue aprovar algo no Congresso sem explicar claramente por que e para que você está fazendo isso. É necessário ter uma profunda convicção, porque, como estamos falando de questões que são politicamente controversas, você não vai conseguir convencer o eleitor, o deputado ou o senador a votar alguma coisa polêmica se ele não perceber da sinceridade dos seus propósitos. Em 3º lugar, é preciso ter uma enorme capacidade de persuasão. Estamos falando de coisas que não são simples, mas que podem ser explicadas e podem ser defendidas.
“Em 4º lugar, é necessário ter resiliência, porque ao longo de uma gestão de governo de 4 anos, você perde a conta das crises políticas pela fragmentação de nosso sistema partidário. A coisa mais fácil que tem [é] um governante largar a reforma numa situação de dificuldade. Em 5º lugar, no país em que a gente vive, com o Congresso fragmentado, é necessário ter uma grande capacidade de articulação política. Esses atributos estiveram presentes em alguns governos, no de Fernando Henrique, quando foi aprovada uma série de reformas importantes, no governo Lula 1 e no governo Michel Temer, com uma agenda legislativa muito intensa e com eficácia na aprovação. Não estiveram presentes no governo Bolsonaro, conturbado pela situação da pandemia e pelo clima de radicalização. Eu destacaria aqui o mérito do Rodrigo Maia [então no DEM-RJ], da coalizão que se montou em torno da reforma previdenciária [em 2019]. O governo Lula não quis liderar isso. Não significa que, mesmo em caso de reeleição, o cenário hoje mais provável, o presidente não possa liderar esse movimento para aprovar 3 ou 4 reformas que fariam uma grande diferença.
Quais?
“Eu tenho defendido o que eu chamo de super PEC. A regra do teto de gastos de Temer e a regra atual do Arcabouço Fiscal padecem curiosamente do mesmo problema: a inconsistência entre uma regra geral e as regras específicas. O que, no Temer, significava crescimento zero do gasto público, na prática, ao longo de alguns anos, acabou se inviabilizando, porque a despesa previdenciária foi achatando as despesas discricionárias. Chegou o momento em que o sistema político de jogo acabou. Há um limite para o ajuste. Em 2023, o teto foi para o espaço. Teria ido mesmo se o Bolsonaro tivesse sido reeleito, porque todo mundo sabia que a regra do teto de 2016 não poderia ser mantida indefinidamente.
“Hoje, nós temos uma regra diferente. Só que o gasto cresce num contexto em que variáveis que estavam amparadas até 2022 estão aumentando fortemente, em particular as despesas vinculadas e o salário-mínimo. Isso provoca o mesmo problema sobre a despesa discricionárias, a variável de ajuste. O que eu defendo é acabar com truques contábeis que têm feito com que uma série de despesas sejam colocadas acima do teto, não computadas.
Temos um deficit público de 6% a 8% do PIB. Temos que acabar com essa ficção, trabalhar com o teto, sem excepcionalidades. E temos que definir regras específicas que sejam condizentes com isso. Há duas em que a gente vai ter que mexer: a regra das vinculações, porque amarra despesas obrigatórias. Como a receita cresce acima do PIB nos últimos anos, isso está fazendo com que se puxe muito a despesa para cima. E temos que ter uma regra do salário-mínimo adequada à realidade demográfica. Todo ano a gente vai ter mais 2% a 2,5% de aposentados ou pensionistas. Quanto é que o PIB vai crescer realisticamente nos próximos 20 anos? Não mais do que 2%, 2,5%. Se os aposentados e pensionistas acompanharem a inflação, a despesa previdenciária se manteria como proporção do PIB. Se, além disso, nós dermos aumento real, não é necessário ser especialista para perceber que temos uma bomba-relógio. De cada 3 aposentados e pensionistas, 2 recebem salário-mínimo. Seria bom que essas questões fossem discutidas nas eleições, porém a tendência é que a realidade seja colocada embaixo do tapete. Mas, em 2027, a gente ter um encontro marcado com a verdade fiscal.”
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